Barroco Mineiro: artes plásticas e arquitetura

O Barroco Mineiro foi um movimento artístico que se desenvolveu em Minas Gerais no século XVIII, caracterizado pela riqueza ornamental, forte religiosidade e adaptação de influências europeias à realidade social e cultural do Brasil colonial.

Detalhe do profeta Daniel (escultura barroca de Aleijadinho)
Detalhe do profeta Daniel (escultura barroca de Aleijadinho)

 

O que foi o Barroco Mineiro?


O Barroco Mineiro foi uma manifestação artística que floresceu na região das Minas Gerais durante o século XVIII, com forte presença nas áreas de pintura, escultura e arquitetura. Trata-se de uma vertente regional do barroco europeu, adaptada às condições sociais, econômicas e culturais do Brasil colonial. Essa expressão artística se destacou pela exuberância decorativa, pelo uso simbólico das formas e pelo conteúdo fortemente religioso, refletindo os valores espirituais da época e a influência da Igreja Católica. Desenvolvido em meio ao contexto da exploração aurífera, o Barroco Mineiro transformou as cidades mineiras em verdadeiros polos culturais e artísticos, deixando um legado duradouro na história da arte brasileira.

 


Origem e influência europeia

 

Originado na Europa como expressão artística da Contrarreforma, o barroco chegou ao Brasil por meio da ação missionária da Igreja Católica e da circulação de obras e modelos trazidos pela metrópole portuguesa. Elementos como o uso de contrastes entre luz e sombra, a dramaticidade das cenas religiosas, a exuberância decorativa e a valorização do sentimento foram incorporados pelos artistas locais. No entanto, ao ser transplantado para o contexto brasileiro, esse estilo sofreu adaptações importantes, moldadas pelas condições materiais, pela mão de obra disponível e pelas influências culturais locais. Assim, o barroco brasileiro, especialmente o mineiro, desenvolveu características singulares, como o uso de materiais regionais e a presença de traços culturais mestiços, refletindo a realidade social e a sensibilidade artística da colônia.



Contexto histórico do Barroco Mineiro


O Barroco Mineiro surgiu em meio ao apogeu da mineração de ouro no Brasil colonial, especialmente no século XVIII, quando a descoberta de jazidas de ouro em Minas Gerais atraiu milhares de pessoas à região, tanto da colônia quanto da metrópole. O enriquecimento repentino e a urbanização de vilas como Ouro Preto, Mariana, Sabará e Congonhas proporcionaram um cenário propício para o florescimento das artes. A Igreja Católica, fortalecida pelo apoio da Coroa portuguesa, desempenhou papel central como principal patrocinadora da produção artística. A construção de igrejas e capelas, decoradas com obras de arte em seu interior, refletia a religiosidade intensa da sociedade colonial, marcada por valores contrarreformistas. Ademais, o isolamento geográfico da região contribuiu para o desenvolvimento de um estilo artístico original, que, embora influenciado por modelos europeus, apresentava soluções criativas adaptadas às condições locais.



Características do Barroco Mineiro:




Ornamentação exuberante: as obras apresentam riqueza decorativa, com detalhes minuciosos em entalhes, relevos e pinturas, especialmente no interior das igrejas, onde há profusão de motivos florais, volutas e símbolos religiosos.


Dualismo estético: o barroco mineiro reflete a dualidade entre o céu e a terra, o corpo e a alma, o sagrado e o profano. Essa tensão aparece tanto na expressão dos personagens religiosos quanto na composição das cenas.


Expressividade emocional: as esculturas e pinturas barrocas transmitem emoções intensas, evidenciando o sofrimento, a devoção ou o êxtase espiritual, com rostos contorcidos, olhares dramáticos e gestos exaltados.


Integração das artes: arquitetura, pintura e escultura aparecem frequentemente integradas, formando conjuntos harmoniosos nos interiores das igrejas, em que os altares, as pinturas do forro e os retábulos dialogam entre si.


Uso do ouro: o ouro em folha foi amplamente utilizado para recobrir esculturas, retábulos e elementos decorativos, conferindo às igrejas um brilho característico, que expressava tanto a riqueza local quanto a glória divina.


Adaptação ao espaço local: os artistas adaptavam as formas barrocas aos materiais disponíveis e às condições da região, utilizando pedra-sabão, madeira e técnicas construtivas simples, o que conferiu originalidade ao barroco mineiro.



Exemplos de Artistas plásticos e arquitetos do Barroco Mineiro:



Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814): escultor, entalhador e arquiteto, é considerado o maior nome do barroco brasileiro. Superando limitações físicas decorrentes de uma doença degenerativa, produziu um vasto conjunto de obras, sendo sua criação mais emblemática o "Santuário do Bom Jesus de Matosinhos", em Congonhas, com os doze profetas em pedra-sabão e as cenas da Paixão de Cristo esculpidas em madeira nas capelas do calvário.


Manuel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde (1762-1830): pintor e dourador, destacou-se pelas obras em afrescos e telas religiosas. Sua pintura mais conhecida é o "Forro da Capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis", em Ouro Preto, onde representa a Assunção da Virgem com traços mestiços e cores suaves, contribuindo para a brasilidade da iconografia religiosa.


Francisco Vieira Servas (1730-1800): arquiteto e entalhador, atuou em diversas cidades mineiras. Foi responsável por projetos de igrejas e retábulos, como a "Igreja de São Francisco de Assis" em São João del-Rei. Seu trabalho evidencia grande habilidade técnica na composição ornamental.


Manuel Francisco Lisboa (pai de Aleijadinho): arquiteto e entalhador, teve papel fundamental na difusão do estilo rococó no barroco mineiro. Projetou a planta da "Igreja de São Francisco de Assis" em Ouro Preto, cuja fachada foi posteriormente executada por seu filho. Seu legado influenciou decisivamente a formação artística de Aleijadinho.

 

Imagem das esculturas de Aleijadinho representando uma procissão católica.

A obra "Passo da Paixão", de Aleijadinho, integra o conjunto das capelas da Via Sacra no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, sendo um dos mais expressivos exemplos do barroco mineiro. Composta por esculturas em madeira policromada, representa cenas dramáticas da Paixão de Cristo com forte carga emocional e riqueza de detalhes. As figuras esculpidas exibem gestos intensos e expressões de sofrimento, revelando a busca barroca por comover e envolver o espectador. Essa obra evidencia a integração entre arte, religiosidade e cultura local, características centrais do barroco nas Minas Gerais.




Exemplos de obras do Barroco Mineiro:



Os Profetas de Congonhas (Aleijadinho): conjunto escultórico composto por doze figuras em pedra-sabão, dispostas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. As esculturas representam profetas do Antigo Testamento, com expressões solenes e gestos simbólicos. A força dramática das figuras, aliada à habilidade técnica do escultor, revela a excelência da escultura barroca mineira.


Painel da Assunção da Virgem Maria (Mestre Ataíde): pintura em perspectiva ilusionista que ocupa o forro da capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. A obra retrata a Virgem Maria ascendendo aos céus, cercada por anjos e querubins. Destaca-se pelo uso de cores delicadas, traços mestiços nos rostos angelicais e domínio da técnica do afresco.


Via Sacra das Capelas dos Passos (Aleijadinho): conjunto de 66 esculturas em madeira policromada que representam cenas da Paixão de Cristo, instaladas em sete capelas no caminho que leva ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. As figuras são expressivas, com forte carga emocional, retratando sofrimento, compaixão e fé.


Nossa Senhora das Dores (Círculo de Aleijadinho): escultura em madeira policromada que retrata a Virgem Maria em momento de profunda dor, comum nas representações barrocas do tema. Presente em diversas igrejas mineiras, como na Igreja de Nossa Senhora das Dores em Ouro Preto, a imagem se destaca pela expressão angustiada e pelo detalhamento dos trajes e adereços.

Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto): considerada a obra-prima do barroco mineiro, foi projetada por Aleijadinho e possui elementos arquitetônicos harmoniosos e esculturas refinadas. O forro da capela-mor foi pintado por Mestre Ataíde, resultando em um dos interiores mais notáveis do Brasil colonial.


Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas): complexo religioso composto pela basílica e pelo conjunto escultórico das capelas dos Passos, com as figuras em madeira que representam a Paixão de Cristo e os profetas em pedra-sabão. As obras são atribuídas a Aleijadinho e representam o auge da escultura barroca brasileira.


Igreja de Nossa Senhora do Pilar (Ouro Preto): uma das mais ricamente decoradas da colônia, contém grande quantidade de ouro nos altares e retábulos, além de esculturas e pinturas que exemplificam a integração das artes no barroco.


Igreja de Nossa Senhora do Carmo (Sabará): apresenta elementos decorativos em talha rococó e esculturas atribuídas ao círculo de Aleijadinho. A fachada e o interior evidenciam a influência do barroco tardio, com formas mais leves e ornamentação detalhada.


Igreja de São Francisco de Assis (São João del-Rei): construída com participação de Francisco Vieira Servas, essa igreja representa o refinamento do barroco mineiro no final do século XVIII. Destacam-se as torres simétricas, os retábulos esculpidos e o órgão barroco decorado.

 

Foto da frente da Igreja de São Francisco de Assis

Igreja de São Francisco de Assis (São João del-Rei): exemplo da arquitetura barroca mineira.




Legado artístico


Ao longo do tempo, as obras do barroco mineiro deixaram de ser apenas expressões de fé para se tornarem símbolos da identidade cultural brasileira. O barroco das Minas Gerais foi reconhecido como patrimônio histórico e artístico nacional, sendo preservado por instituições como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Sua influência ultrapassou os limites da arte sacra e inspirou movimentos culturais e intelectuais posteriores, como o modernismo, que viu no barroco uma expressão autêntica da criatividade e da sensibilidade brasileiras. O Barroco Mineiro permanece como testemunho da complexidade cultural do período colonial e do talento de artistas que, mesmo em condições adversas, produziram um dos capítulos mais importantes da história da arte no Brasil.

 



Vocabulário do texto:

 

- Escultura: arte de modelar ou entalhar materiais para representar figuras humanas, animais ou objetos.


- Arquitetura: arte e técnica de projetar e construir edifícios, como igrejas e capelas.


- Igreja Católica: instituição religiosa dominante no Brasil colonial, que influenciou fortemente a produção artística do período.


- Contrarreforma: movimento da Igreja Católica para combater a Reforma Protestante, valorizando a arte como meio de evangelização.


- Ouro Preto: antiga vila mineira, importante centro urbano e artístico do barroco mineiro.


- Retábulo: estrutura decorativa colocada atrás do altar nas igrejas, geralmente entalhada e ornamentada.


- Afresco: técnica de pintura feita sobre reboco úmido, usada em tetos e paredes.


- Iconografia: conjunto de imagens e símbolos utilizados para representar temas religiosos ou culturais.


- Rococó: estilo artístico que surgiu após o barroco, com traços mais leves, delicados e decorativos.


- Talha: técnica de escultura em madeira usada para ornamentar altares e elementos arquitetônicos.


- Polícromas: esculturas ou objetos decorados com várias cores, especialmente no contexto religioso.


- Santuário: espaço religioso destinado à veneração, geralmente com grande importância simbólica e arquitetônica.


- Patrimônio: bem cultural ou natural reconhecido por seu valor histórico, artístico ou social.


- IPHAN: órgão federal responsável pela preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil.


- Metrópole: país colonizador, no caso do Brasil, Portugal, que controlava politicamente e economicamente a colônia.


- Círculo: grupo de artistas que compartilha influências, técnicas ou formação comum.


- Estilo: conjunto de características que definem uma manifestação artística ou cultural.


- Modernismo: movimento artístico e cultural do século XX que valorizou as raízes nacionais, incluindo o barroco como inspiração.

 

 


 

Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)

Publicado em 25/03/2025