Reforma Anabatista

A Reforma Anabatista foi um movimento religioso do século XVI que defendia a restauração do cristianismo primitivo por meio do batismo consciente, da separação entre Igreja e Estado e da vida comunitária baseada na fé e na ética cristã.

Reforma Anabatista: movimento radical da Reforma Protestante
Reforma Anabatista: movimento radical da Reforma Protestante

 

O que foi


A Reforma Anabatista foi um dos movimentos mais radicais da Reforma Protestante ocorrida na Europa nos séculos XVI e XVII. Ao contrário das vertentes reformistas mais conhecidas, como a Luterana, a Calvinista ou a Anglicana, os anabatistas propuseram transformações profundas não apenas na teologia cristã, mas também na organização social, na política e na estrutura da Igreja. O termo “anabatista” deriva do grego e significa “rebatizadores”, uma referência à sua recusa em aceitar o batismo infantil e à sua defesa do batismo consciente, realizado apenas em adultos. Por essa posição e por seu radicalismo teológico e social, os anabatistas foram duramente perseguidos, tanto por católicos quanto por outros protestantes.




Principais causas da Reforma Anabatista:


Descontentamento com a Igreja Católica: assim como outras vertentes reformistas, os anabatistas reagiram contra a corrupção da Igreja Católica, a venda de indulgências, o luxo do clero e o distanciamento dos ensinamentos originais do cristianismo.


Insatisfação com as reformas tradicionais: muitos reformadores protestantes, como Lutero e Calvino, realizaram mudanças na doutrina e na liturgia, mas mantiveram estruturas hierárquicas e relações estreitas com o poder político. Os anabatistas consideraram essas reformas superficiais e buscaram uma transformação mais radical.


Influência do humanismo cristão: correntes do humanismo cristão, como as de Erasmo de Rotterdam, influenciaram grupos que desejavam um retorno ao cristianismo primitivo, baseado em simplicidade, igualdade e prática comunitária.


Repressão e pobreza no campo: a crise econômica, a concentração de terras e a exploração dos camponeses contribuíram para o surgimento de movimentos que uniam fé e luta social. Os anabatistas, especialmente nos primeiros momentos, encontraram apoio entre os camponeses e artesãos urbanos marginalizados.


Leitura individual da Bíblia: o incentivo à leitura direta das Escrituras levou a diferentes interpretações teológicas e ao surgimento de grupos que não se identificavam com nenhuma das reformas instituídas. A interpretação pessoal da Bíblia foi uma base importante para o pensamento anabatista.



Como ocorreu a Reforma Anabatista e principais líderes


A Reforma Anabatista teve início na década de 1520, no contexto da Reforma Suíça liderada por Ulrico Zuínglio. Alguns de seus seguidores mais radicais, como Conrad Grebel, Felix Manz e George Blaurock, romperam com Zuínglio ao entenderem que sua reforma não era suficientemente profunda. Em 1525, em Zurique, eles realizaram o primeiro batismo adulto voluntário, marco simbólico do nascimento do anabatismo.

A partir daí, o movimento se espalhou por regiões como Alemanha, Países Baixos, Áustria e partes da Europa Oriental. Contudo, enfrentou dura repressão tanto das autoridades católicas quanto das protestantes. A radicalização de parte dos anabatistas também contribuiu para a hostilidade contra o movimento. Um dos episódios mais conhecidos foi a Revolta de Münster (1534-1535), em que anabatistas assumiram o controle da cidade alemã e tentaram estabelecer uma teocracia, o que resultou em violento cerco e repressão.

Outros líderes importantes surgiram após esse episódio, adotando posturas mais pacifistas. Destacam-se Menno Simons, antigo padre católico que, após aderir ao anabatismo, liderou um movimento de reorganização doutrinária e prática, enfatizando a não-violência, a vida comunitária e a simplicidade cristã. Seus seguidores deram origem ao grupo dos menonitas, que perduram até os dias atuais.

 

Ilustração do rosto de Menno Simons

O principal líder da Reforma Anabatista foi Menno Simons. Antigo sacerdote católico nos Países Baixos, Menno Simons aderiu ao anabatismo por volta de 1536, após profundas reflexões teológicas e influências do movimento reformista radical.




Principais doutrinas e objetivos dos anabatistas:


Os anabatistas tinham como base o desejo de restaurar o cristianismo original, tal como eles acreditavam ter sido vivido pelas primeiras comunidades cristãs descritas no Novo Testamento. Suas principais doutrinas e objetivos eram:


Batismo consciente: somente adultos que professassem livremente a fé poderiam ser batizados. Para os anabatistas, o batismo infantil era inválido, pois não envolvia escolha consciente nem arrependimento pessoal.


Separação entre Igreja e Estado: os anabatistas rejeitavam qualquer associação entre o poder político e a autoridade eclesiástica. Acreditavam que a verdadeira fé não poderia ser imposta por governos ou reis e defendiam comunidades religiosas independentes do Estado.


Pacifismo: muitos grupos anabatistas adotaram uma postura radicalmente pacifista, recusando o uso da força mesmo em legítima defesa. Rejeitavam o serviço militar, juramentos públicos e qualquer forma de violência.


Comunidade de bens: alguns grupos anabatistas defendiam a vida comunitária e o compartilhamento de bens materiais, inspirando-se na descrição dos Atos dos Apóstolos sobre a vida dos primeiros cristãos. Essa prática foi particularmente comum em movimentos mais radicais e contribuiu para sua marginalização.


Autonomia das comunidades locais: cada comunidade cristã deveria ser autônoma e governada de forma democrática por seus membros, sem uma hierarquia clerical fixa. Pregavam a participação direta dos fiéis na organização religiosa.


Pureza de conduta moral: defendiam uma vida cristã pautada pela ética, simplicidade, verdade e santidade, com forte reprovação a vícios, ostentação e práticas que consideravam mundanas.

 

Pintura retratando a disputa anabatista

Disputa Anabatista de 17 de janeiro de 1525: realizada na Prefeitura de Zurique, foi um debate público entre as autoridades eclesiásticas lideradas por Ulrico Zuínglio e os primeiros líderes anabatistas, como Conrad Grebel e Felix Manz. Os anabatistas contestaram o batismo infantil e defenderam o batismo apenas em adultos conscientes da fé, o que foi rejeitado pelas autoridades religiosas e civis. Após a disputa, os anabatistas foram oficialmente proibidos de pregar e praticar sua doutrina, o que levou à fundação clandestina do movimento com o primeiro batismo adulto voluntário dias depois.

 



A Confissão de Schleitheim

 

A Confissão de Schleitheim, redigida em 1527 por Michael Sattler, foi um documento fundamental para a consolidação da identidade teológica e organizacional dos anabatistas no contexto da Reforma Protestante. Elaborada durante um encontro de líderes anabatistas na cidade de Schleitheim, na Suíça, a confissão estabeleceu sete princípios centrais que orientariam a fé e a prática das comunidades anabatistas, incluindo o batismo exclusivo de adultos, a separação entre Igreja e Estado, o pacifismo, a disciplina eclesiástica, a rejeição de juramentos e a autonomia das congregações. Representando uma ruptura clara com tanto a Igreja Católica quanto com outras correntes reformistas mais moderadas, como o luteranismo e o calvinismo, o documento serviu como referência para as comunidades anabatistas perseguidas, oferecendo-lhes uma base doutrinária unificada e distinguindo-as como um movimento religioso radical e coerente em suas convicções.

 

Foto da Confissão de Schleitheim

Confissão de Schleitheim

 



Consequências da Reforma Anabatista:


Perseguição violenta e martírio: o movimento anabatista foi duramente perseguido tanto por católicos quanto por protestantes. Milhares de seus membros foram presos, torturados e executados, sendo considerados heréticos pelas autoridades religiosas e subversivos pelos poderes civis.


Fragmentação interna e reorganização pacifista: após episódios de radicalismo como o de Münster, o movimento anabatista se fragmentou. Contudo, grupos como os huteritas e os menonitas consolidaram formas de organização pacífica e sobreviveram até os dias atuais, mantendo práticas religiosas e sociais próprias.


Contribuição para a liberdade religiosa: a insistência dos anabatistas na separação entre Igreja e Estado e na liberdade de consciência foi precursora de princípios modernos de tolerância religiosa. Embora inicialmente rejeitados, esses princípios seriam retomados séculos depois por diversos movimentos políticos e sociais.


Influência sobre outras tradições protestantes: as ideias anabatistas influenciaram o surgimento de outros grupos cristãos, como os batistas, os quakers e os adventistas. Esses movimentos herdaram aspectos da doutrina anabatista, especialmente a valorização da autonomia comunitária e a centralidade da experiência pessoal de fé.


Estabelecimento de comunidades alternativas: com o tempo, muitos anabatistas migraram para regiões onde pudessem viver sua fé com liberdade, como a América do Norte. Ali fundaram comunidades que preservaram sua cultura religiosa, sua estrutura comunitária e seu pacifismo. Alguns desses grupos, como os amish, ainda vivem de modo bastante semelhante ao de seus fundadores.

 

Os anabatistas leem a Bíblia, ilustração

Os anabatistas leem a Bíblia. Jan Luyken (1685)

 

 



Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela FFLCH-USP)

Publicado em 03/04/2025