O que é a História das Mentalidades?

A História das Mentalidades é uma abordagem historiográfica que estuda as formas de pensar, sentir e perceber o mundo em diferentes sociedades ao longo do tempo, analisando crenças, valores, representações coletivas e sensibilidades.

Marc Bloch: um dos precursores da História das Mentalidades.
Marc Bloch: um dos precursores da História das Mentalidades.

 

O que é a História das Mentalidades?


A História das Mentalidades é uma abordagem historiográfica que busca compreender as formas de pensar, sentir e agir das sociedades ao longo do tempo. Diferente da história política ou econômica, que tradicionalmente focam em eventos e estruturas concretas, a História das Mentalidades investiga os valores, crenças, hábitos e representações coletivas que moldam o comportamento humano.


A análise das mentalidades permite entender aspectos muitas vezes negligenciados, como as percepções sobre a morte, o medo, a religiosidade, as superstições, os costumes cotidianos e a sensibilidade coletiva. Seu objetivo é interpretar a cultura de uma época a partir dos padrões de pensamento e dos sentimentos predominantes.


Qual a origem da História das Mentalidades?


A História das Mentalidades surgiu como um desdobramento da Escola dos Annales, movimento historiográfico francês iniciado no século XX que defendia uma nova forma de fazer história, priorizando abordagens interdisciplinares e temas amplos, além de se afastar da narrativa política tradicional.


Os precursores dessa abordagem foram historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre, que enfatizaram a importância do estudo das crenças e da sensibilidade social. No entanto, foi na terceira geração da Escola dos Annales, especialmente com Jacques Le Goff e Philippe Ariès, que a História das Mentalidades se consolidou como um campo de estudo próprio. Esses historiadores exploraram temas como a visão da infância, o papel da morte na sociedade e as concepções do tempo e do espaço na Idade Média.

 

Foto do historiador Lucien Febvre

Lucien Febvre (1878-1956) foi um historiador francês e um dos fundadores da Escola dos Annales, sendo fundamental para o desenvolvimento da História das Mentalidades. Defendeu uma abordagem interdisciplinar e a análise das sensibilidades e das representações coletivas ao longo do tempo. Em obras como "O Problema da Incredulidade no Século XVI: A Religião de Rabelais", explorou a maneira como os indivíduos pensavam e sentiam em diferentes contextos históricos, ajudando a consolidar o estudo das mentalidades como um campo essencial da historiografia.

 

 


O que estuda e características:



Estudo das representações coletivas: a História das Mentalidades investiga como diferentes grupos sociais interpretam o mundo, analisando mitos, crenças, símbolos e imaginários que influenciam a sociedade.


Ênfase na longa duração: inspirada na abordagem de Fernand Braudel, essa vertente historiográfica valoriza a análise de processos históricos de longa duração, buscando compreender mudanças graduais na mentalidade das sociedades.


Utilização de fontes variadas: para estudar as mentalidades, os historiadores recorrem a fontes diversificadas, como literatura, iconografia, rituais, diários, correspondências e práticas cotidianas, em vez de apenas documentos políticos, econômicos e administrativos (documentos valorizados pela historiografia tradicional).


Interdisciplinaridade: a História das Mentalidades dialoga com outras áreas do conhecimento, como Antropologia, Psicologia, Sociologia e Filosofia, para entender melhor os comportamentos humanos ao longo do tempo.


Análise das sensibilidades: o estudo das mentalidades envolve a compreensão das emoções e sensibilidades coletivas, como o medo da morte, a percepção do tempo e as formas de sociabilidade em diferentes períodos históricos.


Distanciamento da história factual e dos grandes eventos: diferente da historiografia tradicional, que enfatiza guerras, tratados e biografias de líderes, a História das Mentalidades se dedica à vida cotidiana e aos aspectos subjetivos da experiência humana.

 

Ilustração medieval mostrando o diabo sobre uma pessoa que está na cama

O estudo do imaginário pela História das Mentalidades investiga as representações coletivas, crenças e símbolos que influenciam a forma como diferentes sociedades percebem o mundo ao longo do tempo. Essa abordagem busca compreender mitos, rituais, superstições e construções culturais que moldam mentalidades e comportamentos. Ao analisar o imaginário, os historiadores revelam como ideias e valores compartilhados estruturam a visão de mundo de determinados grupos históricos. (a imagem acima retrata a figura do diabo, muito presente no imaginário medieval).




Exemplos de historiadores representativos:



Marc Bloch – focado na mentalidade medieval, estudou crenças e comportamentos coletivos. Obra principal: "Os Reis Taumaturgos".


Lucien Febvre – interessado na história das sensibilidades e na relação entre cultura e pensamento. Obra principal: "O Problema da Incredulidade no Século XVI: A Religião de Rabelais".


Philippe Ariès – investigou as concepções sobre infância e morte na história. Obras principais: "História Social da Criança e da Família" e "O Homem Diante da Morte".


Jacques Le Goff – especialista na mentalidade medieval, analisou a cultura e o imaginário da Idade Média. Obras principais: "O Imaginário Medieval" e "A Bolsa e a Vida".




Contribuições da História das Mentalidades para a Historiografia



A História das Mentalidades trouxe avanços significativos para a historiografia ao ampliar os objetos de estudo da disciplina. Seu enfoque possibilitou uma compreensão mais profunda da cultura e dos comportamentos humanos, destacando a importância das crenças, dos mitos e das formas de percepção do mundo.


Vale ressaltar também que a abordagem das mentalidades contribuiu para o fortalecimento da história social, ao incorporar novos temas e metodologias. Ela permitiu que fossem analisadas as experiências de grupos historicamente marginalizados, como camponeses, mulheres e crianças, trazendo à tona aspectos da vida cotidiana que antes eram ignorados pela historiografia tradicional.


Dessa forma, a História das Mentalidades revolucionou a forma de se escrever a história, permitindo um olhar mais sensível e abrangente sobre as sociedades do passado. Seu legado continua influenciando pesquisas históricas contemporâneas, enriquecendo o entendimento das diversas formas de pensar e sentir que moldaram a humanidade ao longo do tempo.

 

 



Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)

Publicado em 13/03/2025