Guerra Irã-Iraque

A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) foi um conflito prolongado entre os dois países, motivado por disputas territoriais e rivalidades políticas e religiosas, resultando em centenas de milhares de mortes e uma devastação econômica para ambas as nações.

Destroços de um tanque iraquiano usado na guerra.
Destroços de um tanque iraquiano usado na guerra.

 

O que foi a Guerra Irã-Iraque?


A Guerra Irã-Iraque, travada entre 1980 e 1988, foi um conflito prolongado e brutal entre dois países vizinhos do Oriente Médio: Irã e Iraque. Foi uma das guerras convencionais mais longas do século XX. A guerra causou mais de um milhão de mortes, devastou as economias de ambos os países e remodelou a geopolítica da região. Muitas vezes chamada de Primeira Guerra do Golfo, esse conflito teve causas políticas, territoriais e ideológicas profundas, envolvendo tanto atores regionais quanto internacionais.



Contexto histórico da guerra


A Guerra Irã-Iraque ocorreu em um período marcado por mudanças regionais e globais significativas. Os anos 1970 viram o aumento da riqueza do petróleo no Golfo Pérsico, o que tornou a região geopoliticamente importante para superpotências globais, como os Estados Unidos e a União Soviética. Ao mesmo tempo, transformações internas tanto no Irã quanto no Iraque intensificaram as tensões.


No Irã, a Revolução Islâmica de 1979 derrubou a monarquia apoiada pelo Ocidente, liderada pelo Xá Mohammad Reza Pahlavi, substituindo-a por um regime teocrático liderado pelo aiatolá Khomeini. Essa revolução alarmou muitos dos vizinhos do Irã, particularmente o Iraque, que era governado pelo Partido Ba'ath sob o comando de Saddam Hussein. O Iraque, com seu governo nacionalista árabe secular, via a ascensão da teocracia xiita liderada pelo Irã como uma ameaça direta.


Enquanto isso, Saddam Hussein havia consolidado seu poder no Iraque e buscava afirmar a hegemonia sobre o Golfo. Os dois países tinham uma longa história de rivalidade, remontando a disputas sobre fronteiras e influência na região, particularmente no rico em petróleo Canal de Shatt al-Arab. A guerra foi, em muitos aspectos, uma expressão de antagonismos históricos mais profundos entre os mundos árabe e persa.



Principais causas da Guerra entre Irã e Iraque


A guerra foi impulsionada por uma combinação de fatores políticos, territoriais e ideológicos:


Disputas territoriais: a principal causa do conflito foi uma disputa territorial de longa data sobre o Canal de Shatt al-Arab, um rio estratégico que forma a fronteira entre o Irã e o Iraque. Sob um tratado de 1975, o Iraque havia cedido o controle de grande parte do canal ao Irã, mas Saddam Hussein buscava anular esse tratado e retomar o controle total.


Ambições de Saddam: Saddam Hussein queria posicionar o Iraque como a potência dominante no Golfo Pérsico. Ao atacar o Irã, que estava enfraquecido por tumultos internos após sua revolução, Saddam esperava capturar territórios estrategicamente importantes, particularmente a província rica em petróleo de Khuzistão, que tinha uma população árabe significativa.


Conflito ideológico: o choque ideológico entre o regime secular baathista de Saddam e a nova teocracia xiita do Irã intensificou as tensões. A ascensão do aiatolá Khomeini no Irã, que promovia a revolução islâmica em todo o mundo muçulmano, foi vista como uma ameaça por Saddam, especialmente dado o grande e potencialmente inquieto população xiita do Iraque.


Fatores regionais e internacionais: a guerra foi influenciada pelo equilíbrio regional de poder. Muitos dos vizinhos do Iraque, particularmente a Arábia Saudita e outros estados do Golfo, temiam a propagação da ideologia revolucionária do Irã e apoiaram Saddam financeiramente. Globalmente, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética, apesar de serem rivais da Guerra Fria, tinham interesses em conter o Irã e impedir a disseminação de sua revolução.

 

 

Foto mostrando dois soldados do Irã com armamento anti-aéreo

Soldados do Irã com armamento durante a Guerra Irã-Iraque.

 



Como foi e principais características da Guerra entre Irã e Iraque


A Guerra Irã-Iraque foi um conflito brutal, caracterizado por táticas militares convencionais, mas também pelo uso de armas químicas, guerra de trincheiras e sofrimento generalizado de civis. Ambas as nações empregaram grandes ofensivas terrestres, ataques de mísseis e bombardeios aéreos, mas a guerra também se transformou em um impasse sangrento durante grande parte de sua duração.


Fases iniciais (1980-1982): o Iraque lançou uma invasão surpresa ao Irã em setembro de 1980, esperando uma vitória rápida. No entanto, as forças de Saddam rapidamente se encontraram atoladas, pois o exército iraniano, apesar dos contratempos iniciais, mobilizou uma defesa feroz. A guerra se transformou em um impasse à medida que as forças iranianas repeliram os avanços iraquianos.


Guerra de trincheiras e desgaste (1982-1987): em 1982, o Irã havia recuperado grande parte de seu território perdido e passou à ofensiva. Esse período viu uma extensa guerra de trincheiras, semelhante à Primeira Guerra Mundial, com soldados entrincheirados ao longo de vastas linhas de frente, levando a uma guerra de desgaste. Ambos os lados sofreram pesadas baixas, e o uso de armas químicas pelo Iraque contra tropas iranianas e civis curdos se tornou uma marca registrada da guerra.


A "Guerra dos Petroleiros" e a guerra econômica: um aspecto importante da guerra foi a "Guerra dos Petroleiros", onde ambos os lados atacaram os carregamentos de petróleo do outro no Golfo Pérsico. Isso ameaçou os suprimentos globais de petróleo e provocou a intervenção dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais para proteger os petroleiros. A guerra econômica também desempenhou um papel, já que a infraestrutura petrolífera de ambos os países foi atacada, prejudicando suas economias.


Uso de armas químicas: um dos aspectos mais sombrios da guerra foi o uso de armas químicas pelo Iraque contra as forças iranianas e sua própria população curda. O ataque mais infame foi o de Halabja em 1988, onde milhares de civis curdos foram mortos por gás mostarda e outros agentes tóxicos.

 

Foto de um soldado iraquiano, usando máscara anti-gás, numa trincheira.

Soldado iraquiano, usando máscara anti-gás, numa trincheira.




Principais consequências:


Custo humano e econômico: a guerra resultou em mais de um milhão de baixas, com estimativas de mortes civis e militares variando de 500 mil a mais de 1 milhão. Ambos os países foram devastados, com enormes perdas econômicas. O Iraque, em particular, se viu sobrecarregado com dívidas enormes, especialmente para países do Golfo, como Kuwait e Arábia Saudita.


Nenhum vencedor claro: apesar da enorme perda de vidas e recursos, nenhum dos lados emergiu como um vencedor decisivo. A guerra terminou em 1988 com um cessar-fogo mediado pela ONU, e o status quo territorial foi amplamente restaurado. O Iraque não conseguiu capturar territórios iranianos, enquanto os esforços do Irã para derrubar o regime de Saddam ou inspirar revoluções nos estados árabes vizinhos não se concretizaram.


Invasão do Kuwait pelo Iraque: sobrecarregado por dívidas e buscando afirmar sua hegemonia na região, Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1990, levando à Guerra do Golfo e à subsequente intervenção militar liderada pelos Estados Unidos. Essa invasão foi em parte motivada pelo desespero econômico do Iraque após a cara Guerra Irã-Iraque.


Posição regional do Irã: embora o Irã tenha sofrido enormes perdas humanas e econômicas, seu regime teocrático permaneceu no poder. A guerra fortaleceu a posição interna do regime iraniano, pois fomentou um senso de unidade nacional contra um invasor estrangeiro. A longo prazo, o Irã reconstruiu suas forças armadas e continuou a desempenhar um papel significativo na política regional.


Inimizades duradouras: a guerra aprofundou rivalidades sectárias e geopolíticas no Oriente Médio. O conflito ideológico entre a teocracia xiita do Irã e o regime baathista de maioria sunita do Iraque plantou as sementes para futuros conflitos, incluindo a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003 e as tensões regionais contínuas entre potências xiitas e sunitas.

 

 


 


Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)

Artigo publicado em 05/10/2024

 

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