Gnosticismo
O Gnosticismo é uma corrente religiosa e filosófica antiga que enfatiza o conhecimento esotérico e espiritual como o meio para a salvação.
O que é o Gnosticismo (definição)
O Gnosticismo é um conjunto de crenças, ideias e sistemas religiosos antigos que surgiram nos primeiros séculos da Era Comum. O termo "Gnosticismo" deriva da palavra grega "gnosis", que significa "conhecimento". Os gnósticos acreditavam na aquisição de conhecimento esotérico como o caminho para a iluminação espiritual e a libertação do mundo material.
Como e quando surgiu o Gnosticismo
O Gnosticismo surgiu durante os primeiros e segundos séculos d.C., contemporaneamente ao desenvolvimento inicial do Cristianismo. Acredita-se que tenha surgido dentro do diversificado cenário religioso do mundo helenístico, onde tradições judaicas, cristãs e pagãs se misturavam. O movimento ganhou destaque através de várias seitas e ensinamentos, particularmente em regiões como o Egito, a Síria e o Mediterrâneo em geral.
O Gnosticismo e a Igreja Católica na Idade Média
Na Idade Média, a Igreja Católica tratava o gnosticismo como heresia, condenando-o e suprimindo-o ativamente. A Igreja perseguia grupos e indivíduos suspeitos de crenças gnósticas, muitas vezes através da Inquisição, e destruía textos gnósticos para controlar a doutrina religiosa. As ideias gnósticas eram associadas a outros grupos heréticos como os cátaros, levando a ações como a Cruzada Albigense. Além disso, teólogos medievais refutavam as ideias gnósticas em trabalhos acadêmicos para reforçar os ensinamentos ortodoxos e eliminar visões teológicas concorrentes.
Principais crenças e características gerais do Gnosticismo:
• Dualismo: o Gnosticismo geralmente enfatiza um dualismo acentuado entre os reinos material e espiritual. O mundo material é visto como inerentemente corrupto ou mau, criado por uma divindade inferior (frequentemente referida como o Demiurgo), enquanto o reino espiritual é puro e associado ao verdadeiro Deus supremo.
• Conhecimento (Gnose): central no Gnosticismo é a busca pela gnose (conhecimento esotérico e místico que leva à iluminação espiritual e salvação). Esse conhecimento é considerado uma revelação divina, frequentemente acessível apenas a alguns poucos escolhidos.
• A Centelha divina: os gnósticos acreditam que dentro de cada ser humano reside uma centelha divina ou fragmento da essência divina. Essa centelha está presa dentro do corpo material e só pode ser liberta através da gnose.
• O Demiurgo e os Arcontes: o Gnosticismo introduz o conceito do Demiurgo, uma divindade subordinada que criou o mundo material. O Demiurgo é frequentemente retratado como ignorante ou malévolo. Junto com o Demiurgo, existem os arcontes-governantes cósmicos ou entidades que controlam o mundo material e mantêm as almas aprisionadas.
• Narrativas míticas: os textos gnósticos são ricos em narrativas mitológicas complexas que explicam a origem do cosmos, a natureza da humanidade e o processo de salvação. Esses mitos frequentemente envolvem cosmogonias elaboradas e a queda de seres divinos no reino material.
• Redenção e libertação: o objetivo final no Gnosticismo é a redenção da alma do mundo material. Isso envolve despertar para a própria natureza divina, obter a gnose e transcender a existência física para se reunir com a fonte divina.
Um dos principais objetivos do gnosticismo é a redenção e libertação da alma do mundo material (imagem gerada por IA). |
Principais correntes do Gnosticismo:
1. Gnosticismo Setiano: nomeado em homenagem à figura bíblica Sete, esta forma de Gnosticismo enfatiza uma visão dualista do mundo e cosmologias relacionadas. Os setianos acreditam que os descendentes de Sete possuem gnoses especiais.
2. Gnosticismo Valentiniano: fundado por Valentino no segundo século d.C., esta escola integra elementos da teologia cristã com ideias gnósticas. O Valentinianismo apresenta um sistema mitológico mais elaborado e enfatiza o papel de Jesus como revelador da gnose.
3. Mandeísmo: uma antiga seita gnóstica que ainda existe hoje, principalmente no Iraque e no Irã. Os mandeanos veneram João Batista e enfatizam a importância de rituais de água para purificação e salvação.
4. Maniqueísmo: fundado pelo profeta Manes no terceiro século d.C., o Maniqueísmo combina o dualismo gnóstico com elementos do Cristianismo, Zoroastrismo e Budismo. Retrata uma luta cósmica contínua entre a luz e as trevas.
5. Gnosticismo Ofita: associado ao simbolismo da serpente, os ofitas consideram a serpente do Jardim do Éden como um símbolo de sabedoria e iluminação, contrário à interpretação cristã tradicional.
6. Gnosticismo Basilidiano: fundado por Basílides em Alexandria, esta seita incorpora uma cosmologia complexa e enfatiza o papel de um Deus transcendente acima do Demiurgo. Os basilidianos acreditam em uma centelha divina oculta dentro dos humanos que precisa ser despertada.
Profeta Manes (pintura de 1450): fundador do Maniqueísmo, uma das correntes do gnosticismo. |
Os Evangelhos Gnósticos
Os Evangelhos Gnósticos são uma coleção de textos antigos que refletem as crenças e ensinamentos do Gnosticismo. Esses textos foram descobertos em 1945 perto de Nag Hammad, no Egito, e incluem:
- Evangelho de Tomé: uma coleção de ditos atribuídos a Jesus.
- Evangelho de Filipe: contém reflexões sobre sacramentos e experiências místicas.
- Evangelho da Verdade: um discurso teológico atribuído a Valentim.
- Evangelho de Maria: foca no papel e nos ensinamentos de Maria Madalena.
O texto apócrifo de João e o gnosticismo
O texto apócrifo conhecido como "Apócrifo de João" está intimamente relacionado ao Gnosticismo, pois incorpora temas e ensinamentos gnósticos essenciais. Este texto apresenta uma cosmologia dualista, enfatizando uma distinção clara entre o mundo material, criado por uma divindade inferior e ignorante chamada Demiurgo, e o reino espiritual superior do verdadeiro Deus. Ele retrata a salvação como o despertar do conhecimento divino (gnose) dentro dos indivíduos, permitindo-lhes transcender o mundo material e retornar ao reino da luz. O Apócrifo de João também detalha narrativas mitológicas complexas envolvendo várias emanações e éons, características do pensamento gnóstico, posicionando-se assim como uma obra central dentro da literatura gnóstica.
Duas folhas de papiro do texto apócrifo de João (século II): presente na Biblioteca de Nag Hammad. |
As principais diferenças entre Gnosticismo e Cristianismo:
Sobre a natureza de Deus:
Cristianismo: acredita em um Deus onipotente, onisciente e benevolente que criou o mundo.
Gnosticismo: muitas vezes postula uma distinção entre um Deus superior, desconhecido, e uma divindade criadora inferior e falha (o Demiurgo) responsável pelo mundo material.
Sobre a criação e o mundo material:
Cristianismo: vê o mundo material como fundamentalmente bom, criado por Deus.
Gnosticismo: considera o mundo material como inerentemente falho ou mau, criado pelo Demiurgo, e enfatiza a necessidade de libertação espiritual deste.
Sobre a salvação:
Cristianismo: enfatiza a salvação através da fé em Jesus Cristo, sua morte e ressurreição.
Gnosticismo: foca na obtenção da gnose (conhecimento espiritual esotérico que revela a origem divina de uma pessoa e leva à libertação do mundo material).
Sobre Jesus Cristo
Cristianismo: vê Jesus como o Filho de Deus, totalmente divino e totalmente humano, cuja vida, morte e ressurreição são centrais para a salvação.
Gnosticismo: muitas vezes vê Jesus como um emissário divino que traz a gnose à humanidade. Alguns textos gnósticos retratam a humanidade de Jesus como uma ilusão (Docetismo) e negam sua ressurreição física.
Sobre as escrituras e autoridade:
Cristianismo: depende da Bíblia canônica como a fonte autoritativa de fé e prática.
Gnosticismo: inclui uma variedade de textos, como os Evangelhos Gnósticos, que não são reconhecidos pelo cânon cristão ortodoxo. A autoridade é frequentemente mais fluida e pessoal.
Publicado em 05/06/2024
Por Jefferson Evandro M. Ramos (graduado em História pela USP)
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Bibliografia e vídeos indicados:
Fontes de referências do artigo:
Pagels, Elaine, Os Evangelhos Gnósticos, tradução de Marisa Mota, Objetiva, Rio de Janeiro, 2006
Hoeller, Stephan, Gnosticismo: uma nova interpretação da tradição oculta para os tempos modernos, tradução de Ângela Machado, Nova Era, Rio de Janeiro, 2005
Vídeo indicado no YouTube:
GNOSTICISMO: A DOUTRINA QUE DESAFIOU A RELIGIÃO TRADICIONAL – Professor Responde 97