Cosmogonia na História, Religião e Filosofia

A cosmogonia é o estudo filosófico da origem e desenvolvimento do universo.

Criação dos quatro elementos na cosmogonia mitológica da Grécia Antiga.
Criação dos quatro elementos na cosmogonia mitológica da Grécia Antiga.



Definição de Cosmogonia


Cosmogonia refere-se ao estudo ou relato da origem e desenvolvimento do universo ou de um sistema particular de criação. Engloba várias narrativas, mitos e teorias científicas que tentam explicar como o cosmos e tudo dentro dele vieram a existir.



Importância de estudar Cosmogonia


Estudar cosmogonia é crucial porque proporciona informações importantes sobre como diferentes culturas e religiões percebem o início do universo, refletindo seus valores, crenças e compreensão do mundo. Essas histórias de origem influenciam a visão de mundo de uma sociedade, sua ética e seu senso de lugar no cosmos, desempenhando um papel fundamental na formação das civilizações e suas perspectivas filosóficas e teológicas.

 

 

COSMOGONIA NA HISTÓRIA

 



1. Cosmogonia na mitologia grega


Na mitologia grega, a cosmogonia é detalhada na "Teogonia" de Hesíodo, que descreve a origem dos deuses e do universo. A narrativa começa com o Caos, um vazio primordial, do qual emergiram Gaia (Terra), Tártaro (o abismo) e Eros (amor). Gaia então gerou Urano (o céu), e juntos eles produziram os Titãs, entre outras entidades. Os titãs, liderados por Cronos, derrubaram Urano, e mais tarde, Cronos foi derrubado por seu filho Zeus, levando ao reinado dos deuses olímpicos. Esse quadro mitológico enfatiza a emergência da ordem a partir do caos e a natureza cíclica do poder divino.



2. Cosmogonia na mitologia egípcia


A cosmogonia na religão egípcia varia em diferentes regiões, mas uma narrativa proeminente é o mito da criação heliopolitana. Segundo essa tradição, o deus Atum emergiu das águas primordiais de Nun e criou a si mesmo. Atum então produziu os deuses Shu (ar) e Tefnut (umidade), que por sua vez deram à luz Geb (terra) e Nut (céu). De Geb e Nut vieram Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Esses deuses desempenharam papéis cruciais na criação e manutenção do mundo, simbolizando a interconexão das forças naturais e divinas.

 

Imagem do Egito Antigo relacionado a criação do mundo

Cosmogonia no Egito Antigo: Nascer do sol na criação (por volta de 1075 a.C.)

 


3. Cosmogonia na Mitologia Nórdica


A cosmogonia nórdica, registrada na Edda em Prosa e na Edda Poética, descreve a criação do universo a partir do vazio de Ginnungagap, flanqueado pelo reino gelado de Niflheim e pelo reino flamejante de Muspelheim. Da interação dessas forças elementares, emergiu o ser primordial Ymir. Os deuses Odin, Vili e Vé mataram Ymir e usaram seu corpo para construir o mundo: sua carne se tornou a terra, seu sangue os mares, seus ossos as montanhas e seu crânio o céu. Esse mito destaca temas de sacrifício e transformação, com os deuses moldando o mundo a partir do caos e da destruição.

 

 

4. Cosmogonia na mitologia dos maias, incas e astecas


A cosmogonia maia é detalhada em seus textos sagrados, como o Popol Vuh. Eles acreditavam em uma criação cíclica, onde os deuses criaram e destruíram vários mundos antes do atual. Os deuses Hunahpú e Xbalanqué desempenharam papéis significativos nesse processo, superando desafios no submundo para eventualmente ascender ao céu como o sol e a lua. Os maias viam o universo como consistindo de múltiplas camadas, incluindo céus e submundos, com a Terra no centro. Os seres humanos foram feitos de milho pelos deuses e precisavam manter a harmonia através de rituais e oferendas.


A cosmogonia inca se concentra no deus criador Viracocha, que emergiu do Lago Titicaca e criou o céu, a Terra e os humanos. Inicialmente, ele criou gigantes que foram destruídos por sua desobediência, levando à criação de humanos de pedra. Os incas acreditavam em um mundo tripartido: Hanan Pacha (o mundo superior), Kay Pacha (o mundo terrestre) e Ukhu Pacha (o submundo). Eles viam o universo como interconectado e cíclico, com uma forte ênfase no equilíbrio e reciprocidade entre os diferentes reinos e seus habitantes.


A cosmogonia asteca, descrita no Códice Chimalpopoca e outras fontes, envolve o conceito de Cinco Sóis ou épocas. O mundo foi criado e destruído quatro vezes, com cada época terminando em catástrofe. Os deuses se sacrificaram para criar o mundo atual, com o deus do sol Tonatiuh no centro. Os humanos foram criados a partir dos ossos de gerações passadas, misturados com o sangue dos deuses. Os astecas acreditavam que o universo era precário e precisava ser sustentado através de sacrifícios humanos e rituais para apaziguar os deuses e garantir a continuidade da época atual.

 

Imagem representando a última fase da cosmogonia asteca: O Quinto Sol

O Quinto Sol do mito da criação asteca.

 

 

COSMOGONIA NAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS

 


Cosmogonia no Cristianismo


A cosmogonia cristã alinha-se em grande parte com a narrativa judaica no Livro do Gênesis, mas é interpretada através do Novo Testamento. Os cristãos acreditam que Deus criou o mundo ex nihilo (do nada) e que Jesus Cristo, como o Logos (Verbo), desempenhou um papel fundamental na criação. Essa crença sublinha a doutrina da Trindade e a unidade do Pai, Filho e Espírito Santo no ato criativo. A história da criação no Cristianismo também prepara o cenário para a narrativa da queda e redenção humana, central na teologia cristã.

 


Cosmogonia no Judaísmo


A cosmogonia judaica é principalmente derivada do Livro do Gênesis na Bíblia Hebraica. A narrativa da criação descreve como Deus criou o mundo em seis dias, começando com a luz e as trevas, seguido pelo céu, terra, mares, vegetação, corpos celestes, animais e, finalmente, humanos. No sétimo dia, Deus descansou, santificando-o como um dia de descanso. Esse relato enfatiza a onipotência e intencionalidade de uma única divindade soberana que traz ordem e propósito ao universo por meio de comando divino.

 

Pintura medieval mostrando Deus criando o Cosmos

Deus criando o Cosmos: pintura medieval mostrando a cosmogonia judaico-cristã (pintura do século XIII).




Cosmogonia no Islamismo


A cosmogonia islâmica, como descrita no Alcorão, compartilha semelhanças com as narrativas de criação judaico-cristãs, mas inclui elementos distintos. De acordo com o Alcorão, Alá criou os céus e a terra em seis dias, e seu comando "Seja" (Kun) trouxe tudo à existência. O Alcorão enfatiza a criação dos humanos a partir do barro e destaca o papel dos anjos e jinn na ordem cósmica. Os ensinamentos islâmicos reforçam a unidade e onipotência de Alá, que é tanto o criador quanto o sustentador do universo, reforçando os princípios do Tawhid (monoteísmo).

 

 

COSMOGONIA E FILOSOFIA

 

A cosmogonia há muito intriga pensadores que buscam entender a natureza e a gênese da existência. Filósofos como Platão e Aristóteles se aprofundaram em teorias cosmogônicas, mesclando indagações metafísicas com observações do mundo natural. O "Timeu" de Platão explora a criação do cosmos por um artífice divino, o Demiurgo, que impõe ordem à matéria caótica preexistente, refletindo o ideal platônico de um cosmos enraizado em formas eternas. Aristóteles, por outro lado, propôs uma abordagem mais sistemática em sua "Metafísica", onde ele postula um motor imóvel como a causa primeira, um ser necessário responsável pelo movimento eterno e pela ordem do universo.


Na era moderna, a cosmogonia filosófica se entrelaça com descobertas científicas, com figuras como Immanuel Kant e Friedrich Schelling contribuindo para o discurso. A "História Universal da Natureza e Teoria do Céu" de Kant antecipa hipóteses nebulares posteriores, sugerindo que leis naturais poderiam explicar a formação do cosmos a partir de um estado primordial. As "Ideias para uma Filosofia da Natureza" de Schelling introduzem uma visão dinâmica e orgânica do desenvolvimento da natureza, enfatizando a unidade de mente e matéria. Essas explorações filosóficas destacam uma mudança de narrativas mitológicas para estruturas racionais e empíricas, refletindo uma busca duradoura para compreender as origens do universo através das lentes da razão, observação e especulação metafísica.

 

DIFERENÇA ENTRE COSMOGONIA E COSMOLOGIA

 

Cosmogonia e cosmologia são campos de investigação distintos, mas relacionados. A cosmogonia foca especificamente nas origens e criação do universo, lidando frequentemente com explicações metafísicas, mitológicas ou filosóficas de como o cosmos surgiu. Por outro lado, a cosmologia é um estudo científico mais amplo da estrutura, dinâmica e história geral do universo, abrangendo desde o Big Bang até a estrutura em larga escala do cosmos. Enquanto a cosmogonia tende a abordar o "porquê" e o "como" do surgimento inicial do universo, a cosmologia busca entender o "o quê" e o "como" de seu estado atual e evolução contínua.

 


 

Publicado em 07/06/2024


Por Jefferson Evandro M. Ramos (graduado em História pela USP)