Mito da Fundação de Roma
O mito de fundação de Roma narra que a cidade foi criada por Rômulo, após ele ter matado seu irmão Remo, ambos criados por uma loba e descendentes do herói troiano Eneias.

O que é o mito de fundação de Roma?
O mito de fundação de Roma é um dos relatos mais emblemáticos da Antiguidade e oferece uma síntese poderosa entre tradição, identidade e propaganda política. A narrativa, que mescla elementos lendários com fragmentos de eventos históricos, foi amplamente divulgada na Roma Antiga como forma de consolidar valores, justificar conquistas e estabelecer uma origem gloriosa para o povo romano.
Origens do mito
O ponto inicial do mito remonta à Guerra de Troia, conflito descrito por Homero na "Ilíada". Segundo a tradição romana, um príncipe troiano chamado Eneias sobreviveu à destruição de sua cidade natal e, após uma longa jornada, estabeleceu-se na península Itálica. A história é narrada na "Eneida", poema épico escrito por Virgílio no século I a.C., durante o governo do imperador Augusto. Eneias, considerado piedoso e leal aos deuses, foi apresentado como o ancestral dos romanos, conferindo à cidade uma origem nobre e heroica, ligada diretamente ao universo mitológico grego.
Ao desembarcar no Lácio, região central da Itália, Eneias teria fundado a cidade de Lavínio, em homenagem à princesa Lavínia, com quem se casou. Seu filho Ascânio (também conhecido como Iulo), por sua vez, teria fundado Alba Longa, cidade que, de acordo com a tradição, foi o berço da linhagem real da qual descenderiam Rômulo e Remo.
Rômulo e Remo: o nascimento dos fundadores
A parte mais conhecida do mito começa séculos após a chegada de Eneias, na cidade de Alba Longa. Segundo a lenda, o rei Numitor, legítimo herdeiro do trono, foi deposto por seu irmão Amúlio, que tomou o poder à força. Para garantir sua permanência no trono, Amúlio obrigou sua sobrinha, Reia Sílvia, filha de Numitor, a tornar-se vestal, isto é, sacerdotisa dedicada à deusa Vesta, obrigada ao voto de castidade. No entanto, Reia Sílvia engravidou dos gêmeos Rômulo e Remo, supostamente concebidos com o deus Marte, o que conferiria aos meninos uma ascendência divina.
Amúlio, temendo que os sobrinhos reivindicassem o trono, ordenou que fossem lançados no rio Tibre. Os servos encarregados da execução, contudo, tiveram pena dos bebês e os deixaram em uma cesta, à deriva no rio. A correnteza conduziu os gêmeos até a margem, onde foram salvos por uma loba (lupa), que os amamentou em uma gruta chamada Lupercal. Mais tarde, um pastor chamado Fáustulo encontrou os meninos e os criou como filhos.
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Loba amamentando os irmãos Rômulo e Remo. |
A fundação de Roma e o conflito entre os irmãos
Já adultos, Rômulo e Remo tomaram conhecimento de sua origem nobre e ajudaram o avô Numitor a recuperar o trono de Alba Longa. Em seguida, decidiram fundar uma nova cidade às margens do rio Tibre, próximo ao local onde foram salvos pela loba. No entanto, surgiu uma disputa entre os irmãos sobre quem deveria ser o fundador e, portanto, dar nome à cidade.
Para resolver o impasse, recorreram à prática da observação de augúrios, sinais divinos interpretados por sacerdotes. Remo teria visto seis abutres, enquanto Rômulo teria visto doze, o que foi considerado um sinal favorável ao segundo. A divergência levou a um desentendimento fatal: segundo a versão mais conhecida, Rômulo matou Remo após este zombar da construção das muralhas da nova cidade e saltar sobre elas. Rômulo, então, tornou-se o primeiro rei de Roma, que teria sido fundada em 21 de abril, data que passou a ser celebrada no calendário romano.
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Rômulo e Remo adultos fundando Roma (ilustração) |
Elementos simbólicos do mito
O mito de fundação de Roma está repleto de simbolismos e valores que ajudam a explicar seu apelo duradouro. Em primeiro lugar, a origem divina de Rômulo e Remo, filhos de Marte, destaca a vocação guerreira dos romanos e sua ligação com os deuses. A loba que amamenta os irmãos simboliza força, proteção e vínculo com a natureza selvagem, mas também representa a capacidade de sobrevivência e resiliência em situações adversas.
O fratricídio, embora moralmente problemático, foi reinterpretado na tradição romana como necessário para o bem maior: a fundação de uma cidade destinada a dominar o mundo. Roma, portanto, nasceu do sangue, do conflito e da escolha do mais forte, aspectos que se tornaram centrais na identidade militar e expansionista da civilização romana.
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A pintura "Rômulo e Remo" (1515-1516), de Peter Paul Rubens, retrata com vigor e dramaticidade o momento mítico em que os gêmeos fundadores de Roma são amamentados por uma loba, símbolo de força e proteção. A composição evidencia o estilo barroco do artista, com o uso de cores intensas, movimento dinâmico e expressões carregadas de emoção. Ao fundo, figuras humanas observam a cena, reforçando o caráter simbólico do nascimento da civilização romana. Rubens valoriza o corpo humano com formas robustas e idealizadas, conferindo solenidade ao episódio lendário. A obra, assim, não apenas ilustra um mito, mas também exalta a origem heroica e divina da cidade de Roma. |
Função política e cultural do mito
Durante o período republicano e, especialmente, no Império, o mito de fundação de Roma foi utilizado como instrumento de legitimação política. A obra de Virgílio, por exemplo, foi encomendada pelo próprio imperador Augusto, com o objetivo de conectar a figura do imperador à linhagem de Eneias, e, por consequência, ao próprio Rômulo. Assim, o governo de Augusto era apresentado como continuidade natural da missão civilizadora iniciada pelos heróis fundadores da cidade.
O mito também funcionava como uma narrativa pedagógica e moral, transmitindo os valores considerados essenciais à formação do cidadão romano: coragem, lealdade, obediência aos deuses e sacrifício pelo bem coletivo. A história era contada nas escolas, celebrada em festas religiosas e representada em monumentos públicos, consolidando-se como parte integrante da memória coletiva romana.
Conclusão
O mito de fundação de Roma transcende a simples criação de uma cidade. Ele articula origens míticas e heroicas com interesses políticos concretos, contribuindo para a construção da identidade romana ao longo dos séculos. A trajetória de Eneias, Rômulo e Remo simboliza não apenas a persistência e a força de um povo, mas também a capacidade de transformar lenda em instrumento de poder e coesão social. Ao compreender esse mito, é possível não apenas explorar a riqueza da tradição clássica, mas também refletir sobre como os povos constroem e utilizam suas narrativas fundadoras para legitimar instituições, valores e conquistas.
Vocabulário do texto:
- Mito: narrativa tradicional que explica a origem de algo, frequentemente envolvendo deuses ou heróis.
- Fundação: ato de criar ou estabelecer algo, como uma cidade.
- Tradição: conjunto de costumes e histórias transmitidos de geração em geração.
- Identidade: conjunto de características que definem um povo ou cultura.
- Propaganda: forma de divulgar ideias com o objetivo de influenciar opiniões.
- Narrativa: forma de contar uma história, com personagens e acontecimentos.
- Herói: personagem admirado por suas ações corajosas ou importantes.
- Península: extensão de terra cercada por água em quase todos os lados.
- Lenda: história antiga que mistura realidade e imaginação.
- Legitimar: tornar algo justo, aceito ou verdadeiro aos olhos da sociedade.
- Ancestral: pessoa que pertenceu a gerações passadas de uma família ou povo.
- Divindade: ser sobrenatural com poderes superiores, como um deus ou deusa.
- Vestal: sacerdotisa dedicada à deusa Vesta, que fazia voto de castidade.
- Amamentar: alimentar um bebê com leite materno.
- Augúrio: sinal vindo da natureza, interpretado como mensagem dos deuses.
- Fratricídio: ato de matar o próprio irmão.
- Resiliência: capacidade de superar dificuldades e continuar.
- Expansionista: que busca conquistar ou dominar novos territórios.
- Moral: conjunto de regras sobre o que é certo ou errado.
- Civilização: sociedade com cultura, leis, governo e formas organizadas de vida.
- Legitimar: dar valor ou justificar algo de forma oficial ou aceita.
- Coesão: união entre pessoas ou ideias que formam um grupo forte e unido.
Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)
Publicado em 27/03/2025
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Bibliografia e vídeos indicados:
COMMELIN, P. Mitologia grega e romana. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
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